sábado, 10 de setembro de 2011

SERMÃO DE BENARES, Buda (A Luz da Ásia)


E o Buddha assim falou: "Om, Amitaya! Não tenteis medir com palavras o Incomensurável, nem pretendais aprofundar a sonda do pensamento no Impenetrável. Aquele que interroga erra, o que responde também erra. Nada dizei!


"Os Livros ensinam que as Trevas existiam antes de todas as coisas e Brahma meditava só, na Noite. Não procureis aí por Brahma nem pela Origem! Nem ele nem nenhuma luz pode ser vista com olhos mortais, nem conhecida com o auxílio da mente mortal; um após outro se erguerão os véus, porém haverá véus sob véus atrás dos primeiros. As estrelas seguem seu curso e não perguntam. É suficiente que a vida e a morte, a alegria e a dor permaneçam, assim como a causa e o efeito, e o curso do tempo, e a maré incessante da Existência que, sempre mudando, corre sem interrupção, como um rio, cujas ondas se sucedem lentas ou rápidas, as mesmas, embora diferentes, desde sua longínqua fonte até o mar, onde vertem.

"O mar, evaporando-se ao Sol, restitui ao rio suas pequenas ondas perdidas, sob a forma de ligeiras nuvens que gotejarão do alto das montanhas e correrão de novo sem trégua nem repouso. Isto basta para compreender as aparências existentes; os Céus, Terras, Mundos e as mudanças que os modificam, são uma roda poderosa que gira, movida pela luta e resistência, sem que ninguém possa detê-la nem ir em sentido inverso do seu movimento. Não supliqueis! Não se iluminarão as Trevas! Nada peçais ao Silêncio, pois ele não pode falar! Não atormenteis com piedosos sofrimentos vossos espíritos aflitos!

"Ah! Irmãos, Irmãs, não espereis nada dos deuses implacáveis, oferecendo-lhes hinos e dádivas; não pretendais conquistá-los com sacrifícios sangrentos; não os alimenteis com frutos e bolos; a liberdade deve ser buscada dentro de vos mesmos. Cada homem cria sua prisão; cada um tem tanto poder como os mais poderosos; porque para todas as Potências, que estão em cima, ao redor e abaixo de nós, como para as criaturas de carne e tudo o que vive, o ato é que faz a alegria e o sofrimento.

"O que foi traz o que deve ser, e é, pior ou melhor; os Anjos nos Céus Bem-aventurados recolhem os frutos do seu passado santo; os demônios nos submundos devem esgotar as ações más que em épocas passadas cometeram. Nada perdura; as belas virtudes se desgastam com o tempo, assim como os pecados repugnantes se purificam. Aquele que penou como escravo pode voltar mais tarde como Príncipe, graças às suas virtudes benéficas e aos méritos que adquiriu; aquele que governou um Reino pode vagar sobre a terra esfarrapado, por causa das coisas que fez e das que deixou de fazer. Podeis elevar vosso destino acima do de Indra e faze-lo descer abaixo dos vermes da terra ou do mosquito; o fim de miríades de existências é este, e de outras miríades, aquele. Mas enquanto gira a roda Invisível, não há paz nem trégua nem descanso; aquele que sobe pode cair e o que cai pode subir, pois os raios giram incessantemente.

"Se estivésseis sujeitos à roda da transformação sem que houvesse meio de romperdes as vossas cadeias, o Coração do Ser Infinito seria uma maldição, e a Alma das Coisas uma Dor cruel. Porém, não estais presos! A Alma das Coisas é suave; o Coração do Ser é paz celestial; a vontade é mais forte que a dor; o que era Bom se torna Melhor e depois Excelente. Eu, Buddha, que chorei com todas as lágrimas dos meus irmãos, eu, cujo coração se partiu de dor pelos sofrimentos do mundo inteiro, rio agora e sou feliz porque aqui está a Liberdade! Oh! Vós que sofreis, sabei que sofreis por causa de vós mesmos. Nenhum outro vos compele ou vos retém para fazer-vos viver e morrer, fazendo-vos girar na roda da vida, e abraçar e beijar seus raios de agonia, seu aro de lágrimas e seu cubo de nada! Escutai! Eu vos mostro a Verdade!

“Mais baixo que o Inferno e mais alto que o Céu, além das estrelas mais longínquas, mais além de Brahma ele permanece. Antes do início e sem um fim, eterno como o espaço e seguro como a certeza, há uma Potência divina estável que se move para o bem; apenas suas leis perduram. É seu toque que faz florescer as rosas, é ele que fabrica as folhas dos lótus; no solo escuro e no silêncio das sementes é ele quem tece a roupagem da Primavera; eis seu colorido nas nuvens gloriosas e suas esmeraldas na cauda do pavão real; as estrelas são suas moradas; a luz, o vento e a chuva são seus escravos; ele faz sair das trevas o coração humano, e do ovo escuro o faisão de pescoço desenhado; sempre trabalhando ele torna atraente aquilo que antes era cólera e destruição.

"Os ovos cinzentos no ninho do colibri dourado são seus tesouros; as celas hexagonais das abelhas são seus potes de mel; a formiga segue seus caminhos, e a pomba branca os conhece perfeitamente. Ele abre as asas da águia que carrega para casa sua presa; faz regressar a loba para perto dos seus lobinhos; encontra alimento e amigos para os seres que ninguém ama. Nada lhe repugna nem o detém; ama tudo; faz brotar o doce leite do seio das mães; faz fluir também as gotas brancas que distilam dos dentes das jovens serpentes. Regula a harmonia dos globos em marcha para a abóbada infinita do céu; oculta nos profundos abismos da terra o ouro, os sárdios, as safiras e os lápis-lazúlis. Elaborando sem cessar seus mistérios, se oculta nos verdes claros das selvas e alimenta plantas estranhas ao pé dos cedros, ideando folhas, flores e hastes; mata e salva sem outro fim que realizar o Destino; seus fios são o Amor e a Vida; a Morte e a Dor são as lançadeiras do seu tear. Faz e desfaz corrigindo tudo; o que foi trabalhado agora é melhor que o que existia antes; sob suas mão hábeis se aperfeiçoa lentamente o esplêndido modelo que projetou.

"Tal é a sua ação sobre as coisas que vedes; porém, as coisas invisíveis têm mais importância; os corações e mentes dos homens, os pensamentos dos povos, seus caminhos e suas vontades também estão submetidos à grande Lei. Invisível, vos socorre com suas mãos benéficas; não é ouvido e, entretanto, fala mais forte que a tempestade. A Piedade e o Amor são a herança do homem, porque um longo esforço modelou a massa cega, dando-lhe forma. Ninguém pode menosprezá-lo; quem lhe desobedece perde e quem o serve ganha; retribui o bem oculto com paz e a felicidade e o mal disfarçado pelos sofrimentos. Vê em todos os lugares e tudo percebe; sede corretos e ele vos recompensará; porém, se fordes injustos ele vos dará a retribuição igual, mesmo que o Dharma demore a manifestar-se. Não conhece nem a cólera nem o perdão; suas medidas são de uma precisão absoluta e sua balança infalível; o tempo não existe para ele, julgará amanhã ou muito tempo depois. Graças a ele, o assassino se fere com sua própria arma; o julgador injusto perde seu defensor, a língua falsa condena sua mentira; o ladrão furtivo e o espoliador rouba para restituir. Tal é a Lei que se move para a justiça, que ninguém pode evitar ou deter; seu coração é o Amor e seu fim a Paz e a Perfeição última! Obedecei!

"Os livros dizem a verdade, meus irmãos; a vida de cada homem é o resultado das suas existências anteriores; os erros passados trazem desgostos e sofrimentos, e o bem passado traz consigo a felicidade e a paz. Colheis o que semeastes. Vede este campo! O sésamo era sésamo e o trigo sempre foi trigo. O Silêncio e a Escuridão o sabem! Assim nasce o destino do homem! Ele vem, colhendo as coisas que plantou, sésamo, trigo, o que tenha semeado em existência anterior; e colhe tantas ervas más e venenosas que causam sua ruína e da terra dolorida. Se trabalhar corretamente, arrancando-as e plantando em seu lugar sementes benéficas, o solo será fecundo, formoso e puro e a colheita será rica. Se aquele que vive, aprendendo de onde surge a dor, a suporta pacientemente, esforçando-se por pagar até a mais remota dívida contraída pelas antigas faltas, sempre no Amor e na Verdade. Se, sem causar mal a ninguém, purga completamente da mentira e da sensualidade do egoísmo seu sangue, sofrendo com toda mansidão e não devolvendo senão o bem e o perdão pelas ofensas recebidas. Se, a cada dia se torna mais compassivo, santo, justo, amável e sincero, e arranca o desejo de todos os lugares onde ele se implanta, com raízes sangrentas, até que o amor da vida termine; então ele, morrendo, deixará como um somatório de si, uma conta encerrada, cujos males estão pagos e mortos, e cujo bem está vivo e poderoso, desde os mais recentes aos mais afastados, de tal maneira que os frutos se seguem.

"Um homem tal não tem necessidade de viver aquilo que chamamos vida; aquilo que começou nele quando ele começou está terminado: realizou o propósito pelo qual ele se fez Homem. Já não padecerá tormentos, os pecados já não o mancharão; os sofrimentos das alegrias e dores terrenas já não perturbarão sua paz eterna e as mortes e existências não recomeçarão mais para ele. Entra no Nirvana. Está unido com a Vida e, entretanto, não vive; é bem-aventurado porque cessou de ser. OM, MANI PADME HUM! (Om, a Jóia do Lótus). A Gota de Orvalho se perde no mar resplandecente!

Tal é a doutrina do Karma! Aprendei! Só quando desaparecem todas as escórias do pecado, só quando a vida morrer como uma chama clara extinta, a morte morrerá completamente com ela. Não digais: "Eu sou", "fui" ou "serei". Não penseis que passais de uma habitação de carne a outra como viajantes que recordam e esquecem que estiveram bem ou mal alojados. A soma das existências anteriores, que constitui a última, volta novamente ao Universo. Ele constrói sua morada como o bicho da seda tece o casulo que o encerra. Toma sua substância e suas funções, como o ovo da serpente durante a incubação, forma suas escamas e seus anéis; como as sementes dos empenachados arbustos voam por cima das rochas, das terras não férteis e dos areais, até que encontrem o pântano propício e se multipliquem. O mesmo acontece para ajudar ou ferir. Quando a Morte fere o assassino cruel, seus fragmentos impuros e ensangüentados vagam levados por ventos brumosos e pestilenciais. Porém, quando morre o homem bom e justo, sopram suaves brisas; o mundo se torna mais enriquecido, como um rio do deserto que desaparece repentinamente para reaparecer em seguida brilhando mais puro, com um brilho mais abrangente. Assim o mérito adquirido faz alcançar uma era mais venturosa, que está mais distante do demérito; entretanto, é preciso que esta Lei de Amor reine Soberanamente sobre o mundo inteiro antes que os Kalpas terminem.

"Qual é o obstáculo? Irmãos meus! A Obscuridade que a ignorância espalha, é aquilo que vos extravia e vos faz tomar as aparências como realidades, e sede de possuir, e, possuindo, ficares presos à sensualidade, que causa vossas dores. Vós que quereis seguir o Caminho do Meio, traçado pela Razão Brilhante e aplanado pela doce Quietude; vós que quereis conhecer o Caminho elevado do Nirvana, escutai as Quatro Nobres Verdades:

"A Primeira Verdade é a da Dor! Não vos deixeis enganar! A vida que amais é uma longa agonia; só permanecem suas aflições, pois seus prazeres são como pássaros que pousam e voam. Sofrimentos do nascimento, sofrimentos dos dias desamparados, sofrimentos da ardente juventude e sofrimentos da idade madura; sofrimentos dos frios e sombrios anos da velhice, e, finalmente, os sofrimentos da morte; eis aí o que preenche vossa lastimosa existência. O Amor é uma coisa doce, porém as chamas fúnebres deverão beijar os seios sobre os quais descansais e os lábios aos quais agora unis os vossos. Valorosa é a Virtude guerreira, porém os abutres dilaceram os membros do chefe e do Rei. A Terra é magnífica, porém todos os hóspedes das suas selvas conspiram para seu assassínio mútuo, em sua sede de viver; os céus são de safira, porém aos homens famintos, por mais que chorem, não deixam cair uma só gota d'água. Perguntai aos enfermos, aos aflitos, aos mancos apoiados em seus bastões, solitários e abandonados: "Amais a vida?" E vos dirão que a criança é sábia por chorar ao nascer.

"A Segunda Verdade é a Causa da Dor. Que sofrimento surge por si mesmo e não do Desejo? Os sentidos e os objetos percebidos se encontram e acendem a viva chispa das paixões: assim se inflamaTrishna, a sensualidade e a sede das coisas. Avidamente vos afeiçoais às sombras e vos iludis com sonhos; plantais um falso Eu no centro e estabeleceis ao seu redor um mundo de aparências; estais cegos para as alturas mais além, surdos para o som das brisas suaves que vêm de mais alto que o céu de Indra; mudos para os reclames da verdadeira vida conservada para vós e que a falsidade desviou. Assim crescem as lutas e a sensualidade que fazem reinar a guerra no mundo; assim sofrem os pobres corações enganados e correm as lágrimas salgadas; assim vêm à existência as paixões, as invejas, as iras e os ódios; assim anos seguem anos maculados de sangue, com ferozes pés vermelhos. Por isso, onde deveria brotar o trigo se estende a erva daninha com suas malignas raízes e flores venenosas; com dificuldade as boas sementes encontrarão solo propício onde possam cair e brotar. E a alma se vai, narcotizada com bebidas venenosas; e com impetuoso desejo de embriagar-se, o Karma retorna; excitado pelos sentidos, o eu fogoso começa de novo a colheita de novas desilusões.

"A Terceira Verdade é a Cessação da Dor. Tal paz conquista o amor do eu e o apego à vida, arranca do peito a paixão profundamente enraizada e acalma a luta interior, pelo amor de abraçar a Eterna Beleza; pela glória de ser Senhor do eu; pelo prazer de viver além dos deuses; pela riqueza infinita de armazenar tesouros duradouros pelos perfeitos serviços prestados, deveres feitos com caridade, palavras suaves e vida sem mácula; não se perderão essas riquezas no curso da existência e nenhuma morte as diminuirá. Então finda a Dor, porque cessarão a Vida e a Morte. Como pode iluminar a lâmpada cujo azeite se consumiu? A triste velha conta carregada de dívidas está liquidada e a nova está limpa; assim o homem atinge a felicidade.

"A Quarta Verdade é A Senda. Está amplamente aberta, acessível a todos os pés, simples e perto; oNobre Caminho Óctuplo, que vai retamente à paz e ao refúgio. Escutai! Numerosas trilhas conduzem a esses picos gêmeos cobertos de neve, em torno dos quais se mesclam as nuvens douradas; subindo pelos aclives suaves ou escarpados o alpinista chega aos cumes onde surge aquele outro mundo. Os que têm membros vigorosos podem afrontar o caminho reto e perigoso que vai diretamente pelo flanco da montanha; os débeis são obrigados a rodeios que percorrem caminhos mais longos, descansando em muitos lugares. Tal é o Caminho Óctuplo que conduz à paz; caminha por alturas mais ou menos abruptas. A alma firme se apressa e a alma débil se atrasa, mas todas alcançarão as neves banhadas de sol.

"O primeiro estágio bom é a Doutrina Reta. Caminhe respeitando o Dharma, evitando todas as ofensas; cautelosamente em relação ao Karma, que produz o destino do homem; dominando os sentidos. Osegundo é o Propósito Reto. Ter boa vontade para com tudo que vive, deixando que a indelicadeza, a avidez e a cólera morram; de modo que suas vidas sejam como suaves aragens que passam. O terceiro é oDiscurso Reto. Governe vossos lábios como se fossem as portas de um palácio com um Rei interior; que todas as vossas palavras sejam palavras tranqüilas, justas e corteses, que daquela presença prevalece. O quarto é a Conduta Reta. Que cada uma de vossas ações ataque uma falta ou ajude a acrescentar um mérito; como se vê o fio de prata através das contas de cristal de um colar, deixai que o amor apareça através das vossas boas ações.

"Há quatro rotas mais elevadas. Porém, só podem seguí-las os pés que terminaram com as coisas terrestres; são a Pureza Reta, o Pensamento Reto, a Solidão Reta e o Êxtase Reto. Não pretendais voar para o sol, ó alma cujas asas ainda não têm penas! O ar das regiões inferiores é suave e seguro, e são conhecidos os estágios simples! Somente os seres vigorosos podem abandonar o ninho que cada um para si constrói. O amor da Mulher e da Criança são preciosos, eu o sei; a amizade e as diversões da vida são agradáveis; as caridades amáveis de uma Vida virtuosa são frutíferas; seus temores, ainda que falsos, estão ancorados solidamente. Vivei assim tais vidas, vós que estais ainda presos às afeições terrenas, como os mais fortes viverão a deles; fazei da vossa debilidade uma escada de ouro; elevai-vos pela prática diária dessas fantasias para as verdades mais dignas de serem amadas. Assim chegareis a alturas mais claras, e achareis subidas mais fáceis e mais leve o fardo das vossas culpas, e adquirireis uma vontade mais firme para arrebentar os laços dos sentidos, entrando no Caminho.

"Aquele que começa desse modo, alcança o Primeiro Estágio; ele conhece as Nobres Verdades e o Caminho Óctuplo; cedo ou tarde alcançará a morada bendita do Nirvana. Aquele que chega ao Segundo Estágio, emancipado das dúvidas, das ilusões e da luta interna, senhor de toda a sensualidade e liberto dos sacerdotes e dos livros, não terá que viver senão uma existência. Um pouco além se acha o Terceiro Estágio; ali o altivo espírito se torna puro e se eleva ao amor de todos os seres em perfeita paz. Terminada a vida, está destruído seu cárcere. Porém há alguns que certamente passam vivos e visíveis para a meta suprema, por meio do Quarto Estágio, o dos Santos - os Buddhas, de almas imaculadas.

Vede! Como inimigos cruéis mortos por algum guerreiro, as Dez Transgressões jazem no pó ao longo desses Estágios. O Amor pelo Eu, a Falsa Fé, a Dúvida, o Ódio e a Sensualidade são cinco, e aquele que venceu essas cinco transgressões franqueou três dos quatro estágios; porém restam ainda o Amor à Vida na terra, o Desejo pelo Céu, o Amor Próprio, o Erro e o Orgulho. Como aquele que permanece nestas alturas nevadas só tem por cima de si o azul infinito, assim o homem, quando matou estes últimos pecados, chegou à margem do Nirvana.

"Os Deuses, colocados abaixo dele, o invejam; a ruína dos Três Mundos não o alteraria; para ele todas as vidas estão vividas, todas as mortes estão mortas; o Karma não lhe construirá novas moradas. Não buscando nada, ele possui tudo; desaparecendo o self, o Universo se torna o “EU”: se alguém ensinar que oNirvana é a cessação, dizei-lhe que mente. Se alguém ensinar que o Nirvana é viver, dizei-lhe que erram, porque nada sabem a esse respeito; ignoram que luz brilha além de suas lâmpadas quebradas, e desconhecem a bem-aventurança fora da vida e do tempo. Entrai no Caminho! Não há pior dor que o Ódio, nem sofrimento como o da paixão, nem engano como o dos sentidos! Entrai no Caminho! Já está muito avançado aquele que esmaga com os pés sua ofensa preferida. Entrai no Caminho! Ali manam as fontes curadoras que aplacam qualquer sede; ali florescem as imortais flores que atapetam alegremente todos os caminhos! Ali amontoam-se as horas mais vívidas e mais doces!

"O tesouro da Lei é mais precioso que as jóias e sua doçura é superior à do mel; suas delícias ultrapassam qualquer comparação. Para viver assim, escutai bem as Cinco Regras: Não mateis, por Compaixão, e não detende em seu caminho ascendente o mais ínfimo ser. Dai e recebei livremente, mas não tomeis de ninguém seus bens por avidez, força ou fraude. Não levanteis falsos testemunhos, não calunieis, não mintas; a Verdade é a expressão da pureza interior. Evitai as drogas e as bebidas que perturbam a inteligência; mentes claras, corpos claros não necessitam do suco do Soma. Não toqueis na mulher do vosso vizinho e não cometais pecados carnais ilegais e impróprios.

Depois falou o Mestre dos deveres para com os pais, os filhos, os companheiros, os amigos; ensinando como os que não podem quebrar rapidamente as aprisionantes cadeias dos sentidos, cujos pés são muito débeis para escalar o caminho mais árduo, devem organizar sua vida na carne de modo que todos os dias aqui transcorram sem mácula na realização de obras caritativas; e que intentem seus primeiros passos mal seguros no Caminho Óctuplo. Que vivam puros, reverentes, pacientes, compassivos; que amem todos os seres viventes como a si próprios; pois aquilo que é atraído pelo mal é o resultado do mal cometido no passado, e o que é bom provém do bem anterior. Digo que, agindo deste modo, o homem se purifica do Eu e ajuda o mundo; e assim bem mais feliz ele chega ao próximo estágio como um ser muito melhorado.

Depois narrou o seguinte: muito tempo antes, quando Nosso Senhor passeava perto de Rajagriha, no bosque de bambus, certo dia, ao despontar da aurora, viu o chefe de família Singala, que, depois de se haver banhado, curvava-se reverenciando com a cabeça descoberta, a terra, o céu e os quatro pontos cardeais, lançando com ambas as mãos arroz branco e vermelho. "Por que te curvas assim, meu irmão?" - perguntou o Mestre. "É a regra, Senhor! - respondeu ele - Nossos pais nos ensinaram que a cada aurora, antes de pôr-nos a trabalhar, temos que conjurar o mal que vem do céu que nos cobre, da terra que está sob nossos pés e de todos os ventos que sopram." Então, Aquele honrado pelo Mundo disse: "Não desperdices arroz, mas oferece a todos pensamentos e atos amorosos; a teus pais, olhando para o Oriente, donde vem a luz; a teus mestres, voltando-te para o Sul, donde vêm ricos presentes; à esposa e filhos, voltando-te para o poente, onde brilham amorosas e pacíficas cores, e onde terminam todos os dias; a teus amigos, parentes e a todos os homens, olhando para o Norte; aos seres mais humildes, inclinando-te; aos Santos, Anjos e Mortos bem-aventurados, voltando-se para cima. Assim se evitarão todos os males e também as seis direções principais serão mantidas seguras."

Porém, aos seus, aos revestidos com a túnica amarela, os que, como águias despertas, elevam-se com desdém pela vida no vale abaixo, e voam rumo ao sol, a estes ele ensinou as Dez Observâncias, o Dasa-Sil, e como um asceta deve conhecer as Três Portas e os Tríplices Pensamentos, os Sêxtuplos Estados da Mente, osQuíntuplos Poderes, as Oito Elevadas Portas da Pureza, os Modos de Entendimento; Sidhhi; Upeksha; as Cinco Grandes Meditações, que são um alimento mais doce que Amrita para as almas santas; os Dianas e osTrês Principais Refúgios; ensinou também aos seus como devem ser suas moradias, como devem viver livres dos laços do amor e das riquezas, o que devem comer, beber e portar; o uso de três panos simples e amplos, de um tecido de cor amarela e costurado de modo a deixar descoberto o ombro; um cinto, uma tigela de esmolas e um coador. Estabeleceu também as sólidas bases da nossa Sangha, esta nobre Ordem do Traje Amarelo, que existe ainda hoje para ajudar o mundo.

Falou assim toda a noite, ensinando a Lei e ninguém adormeceu, porque todos os que o escutavam se regozijavam com uma alegria infatigável. O próprio Rei, seu pai, quando terminou o sermão, levantou-se do seu trono e, com os pés descalços, inclinou-se profundamente diante de seu Filho, beijou a orla da sua túnica e lhe disse: "Aceita-me, meu filho, como o mais humilde e o último dos teus Companheiros." E a doce Yasodhara, sua esposa, então completamente feliz, exclamou: "Bem-aventurado! Dá como herança a teu filho Rahula o Tesouro do Reino da tua Palavra." E desta maneira entraram no Caminho estas três pessoas.

Aqui termina o que escrevi, eu que amo o Mestre por causa do seu amor por nós. Sabendo pouco, disse poucas coisas sobre o Senhor e os Caminhos da Paz. Durante quarenta e cinco anos contínuos, pregou essas Sendas em diversos países e em muitas línguas e deu à nossa Ásia esta luz que ainda é bela, conquistando o mundo com espírito de poderosa graça: tudo isto está escrito nos Livros santos, assim como os lugares onde passou e que os orgulhosos imperadores gravaram suas doces palavras nas rochas e cavernas, e como - quando se cumpriram os tempos - o Buddha, o grande Tathagata, morreu como um homem no meio dos homens, havendo terminado sua obra; e como milhares e milhares de pessoas seguiram depois o Caminho que conduz para onde ele próprio chegou, ao Nirvana, onde mora o Silêncio.

A LUZ DA ÁSIA, Livro VIII, Edwin Arnold

Um comentário:

  1. Muito obrigado, senhor Brother Marcio, por essa publicação maravilhosa. Que o senhor alcance a máxima felicidade por isso! Que ao dia; o sol ilumine seus caminhos, e a noite; a lua seja para sempre luz em seu caminho. Os ventos; vão sempre serem mansos com o senhor por perto. A chuva não vai cavar a terra onde o senhor estiver. O calor intenso vai ser brando onde o senhor caminhar. A terra onde o senhor estiver não vai tremer. Os céus vão sempre se lembrar do seu trabalho, porque; os Budhas estão felizes com ele! Parabéns! Muito Obrigado! Orarei por sua sempre iluminada vida nas três existências.
    Abade Mattuzalem Lopes Cançado, Nammyohorenguekyo.
    Em Belo Horizonte,13-09-2016

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